Do Cabo Bojador a Arguim


Imagem original: NASA

Delicioso relato de António Borges Coelho da viagem expedição de 1445

"Lançarote, os juízes, o alcaide e os oficiais da vereação da vila de Lagos obtiveram licença para nova expedição. Nesta terra fizestes a maior parte das vossas armações, disseram ao Infante. Além de Lançarote, os capitães eram Soeiro da Costa, seu sogro, que tinha estado na batalha de Azincourt, Álvaro de Freitas, comendador da Ordem de Santiago, Gomes Pires, patrão d'el-rei, Rodrigo Anes de Travassos, criado do Regente e escudeiro mui adido, Palenço que fizera grande guerra contra os mouros, Gil Eanes de Lagos e Estevâo Afonso. De Lagos partiam 13 caravelas. De Lisboa e da ilha da Madeira, o resto.

Dinis Dias, o primeiro que passou à terra dos negros, armou a caravela de D. Álvaro de Castro; Tristão, um dos capitães da Madeira, capitaneou a sua; ia outra caravela da Atouguia; João Gonçalves Zarco enviava duas caravelas. A expedição juntou 26 caravelas, mais a fusta do Palenço, um navio do Picanço e uma caravela de Tavira. A Madeira tornava-se o vértice do triângulo em cujos ângulos se assentavam Lagos e Lisboa. Os novos mares mobilizavam também o investimento dalguns fidalgos.


Esta expedição visava estabelecer uma base nas ilhas do golfo de Arguim. Chegados ao Cabo Branco, desembarcaram 328 homens a pé. Álvaro de Freitas comandou os lanceiros, Lançarote os besteiros e Soeiro da Costa e Dinis Eanes da Grã os homens de armas. Gil Eanes, agora cavaleiro, levava a bandeira de cruzada. Atacaram a ilha das Garças. Depois da refrega, da morte, da captura e da fuga dos habitantes, armaram cavaleiros Soeiro da Costa e Dinis Eanes da Grã.


Seis destas caravelas passaram as duas palmeiras que Dinis Dias avistara e chegaram ao Rio Senegal. A gente daquela terra verde era negra. No regresso, pasaram pelo Rio do Ouro. Trouxeram-lhes água em camelos e em peles de lobos marinhos. Entalhadas nalgumas árvores viram as armas do Infante e o seu mote 'Talent de bien faire'.


Numa das caravelas de João Gonçalves Zarco, ia Álvaro Fernandes, seu sobrinho. Devia seguir directamente para a terra dos Negros. No Senegal, encheram duas pipas de água, trouxeram uma para Lisboa. Nem Alexandre Magno bebera daquela água. Passaram cabo Verde, a ilha de Goreia e chegaram ao Cabo dos Mastros. Tentaram apanhar negros. Fugiam muito, andavam nus e não tinham cabelos para agarrar.


Voltaram a Lisboa pela Madeira."


Coelho, A (2011). Largada das Naus. História de Portugal, volume III. Editorial Caminho, Alfragide.

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