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Showing posts from August, 2013

Jafudà Cresques

Durante grande parte do século passado aceitou-se que a figura de Jacome, primeiramente referida por Duarte Pacheco Pereira no Esmeraldo, poderia ser Jafudà Cresques (1360-1410), filho de Cresques Abraham (1325-1387), ambos reconhecidos cartógrafos maiorquinos judeus. Jafudà, que depois de uma forçada conversão ao cristianismo adopta o nome de Jaume Ribes (1391), ter-se-á instalado, a convite do Infante D.Henrique, em Portugal, terra onde ficaria conhecido como Jacome de Maiorca e onde teria mesmo depois dado início à famosa "Escola de Sagres" (Llabrés; Reparaz; Pastor e Camarero, 1959; e Vernet, 1975). Porém, comprovadamente, sabe-se hoje que as coisas não terão sido inteiramente assim. Sobretudo sabe-se que Jafudà Cresques terá falecido cerca 1410 (Riera i Sans, 2009). Se chegou a estar em Portugal, não foi seguramente a mando do Infante D.Henrique e esta nuance pode ter sido pouco notada, porque Jafudà, como vamos perceber, pode mesmo ter estado em Portugal. Em outras ci...

Jacome

"(…) [I]sso mesmo mandou [o Infante D.Henrique] à ilha de Malhorca por um mestre Jacome, mestre de cartas de marear, na qual ilha primeiramente se fezeram as ditas cartas, e com muitas dadivas e merces ho ouve nestes Reynos, ho qual as ensinou a fazer áquelles de que os que em nosso tempo vivem, aprendéram." Em o  Esmeraldo de Situ Orbis  (séc. XIV) de Duarte Pacheco Pereira (1460-1533). "(…) [M]ándou vir da ilha de Mallorca um mestre Jacome, homem mui douto na arte de navegar, que fasia e instrumentos náuticos e que lhe custou muito pelo trazer a este reino para ensinar sua sciencia aos officiaes portuguezes d'aquela mes ter." Em  Décadas da Ásia (séc. XIV) de João de Barros (1496-1570). Quem quer que tenha lido as Décadas e o Esmeraldo percebeu que o capítulo de João de Barros onde surge a sua citação ao "mestre Jacome" é transladado de Duarte Pacheco Pereira. Daí que as referências à "arte de navegar" de Jacome ou ao "fabr...

O uso do Astrolábio

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Uso do astrolábio (séc. XIII). Três clérigos procedem à medição de astros e anotação de valores para construção de horóscopo. Iluminura do Livro dos Salmos (Antigo Testamento) de Branca de Castela (1188-1252), filha de Afonso VIII  de Castela (1155-1214), e esposa de Luís VIII de França (1187-1226). Imagem: Bibliothèque Nationale de France

O Astrolábio náutico

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O Astrolábio náutico é um instrumento simplificado do Astrolábio comum, dito "planisférico", cuja função se limita à medição da altura de astros. Directamente pelo sol ou a estrelas significativas é possível o cálculo da declinação dos astros e pela conjugação com a leitura de tabelas astronómicas a consequente determinação da latitude. É constituído por um disco graduado em cujo centro se fixa o alidade. No extremo superior do eixo vertical do astrolábio deve existir fixação para suspensão. A estabilidade será o último dos requisitos necessários. Imagem: Odyssey's Virtual Museum

Astrolábio

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Astrolábio. Estatuária da fachada principal (c.1225) da Catedral de Notre-Dame de Paris. Em Paris, ao tempo da obra da Catedral, encontramos Guillaume d'Auvergne (1190-1249), clérigo da Notre-Dame de Paris e depois bispo da mesma cidade. Guillaume inscreve-se num circuito intelectual precursor de uma aproximação dos Clássicos à Doutrina Cristã, tema que adquirira uma visibilidade nova a partir da chegada de Gerbert d'Aurillac (c.946-1003) ao lugar de Sumo Pontífice. Gerbert d'Aurillac foi figura de proa, entre outros aspectos, pela chancela que imprime à promoção dos estudos Clássicos e árabes nos meios literatos medievos da Cristandade, e em igual medida foi particularmente responsável por um patrocínio na recuperação de instrumentos como o ábaco, o quadrivium ou a esfera armilar. Gerbert passara pela Península Ibérica onde estudara em jovem. A Península é no capítulo da Cosmologia um dos vértices fundamentais do pensamento e conhecimento medievo. Toda a Cosmologi...

Sta. Maria da Graça de Lagos

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Estela funerária do cemitério medieval da Igreja de Sta. Maria da Graça , Igreja Matriz de Lagos. Sta. Maria da Graça é edificada em 1378, ao reinado de D.Fernando, recebendo melhoramentos em 1420 a mando de Soeiro da Costa, alcaide de Lagos. Lourenço Estevens financia a construção do Sacrário. Igualmente no primeiro quartel de Quatrocentos, Lourenço Dias funda aí uma irmandade do Senhor Jesus. O terramoto de 1755 destrói por completo o edifício, tendo sido posteriormente abandonada, já ao séc. XIX, uma tentativa de reconstrução no local. A fase inicial do cemitério da Igreja de Sta. Maria da Graça de Lagos é constituída por um núcleo disperso de sepulturas escavadas no substrato rochoso, para Sul e para Este do suposto local da igreja. Desta fase registaram-se 56 enterramentos em fossas - de tipologia oval, antropomórfica e pseudo-rectangular - maioritariamente orientadas W-E. É apontado um intervalo entre o final do séc. XIV e meados do séc. XVI para este nível de enterrame...

Dimensão histórica

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O definhar das contendas Ibéricas Trecentistas como antecâmara dos fluxos portugueses ultramarinos; e a co-regência de D. Duarte.

Carta de Ventos e Correntes do Oceano Atlântico

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Carta de ventos e correntes do Oceano Atlântico [Material cartográfico] : 1º. trimestre, 1ª. série, parte Norte / Comissão de Cartographia ; pelos officiaes da armada, J. J. de Barros [et al.] ; Sob o plano do fallecido Vice Almirante João Carlos de Brito Capello ; Des. Tavares Pereira. - Escala [ca. 1:14000000 na zona Equatorial]. - [Lisboa] : A Editora, 1905. - 1 mapa : color. ; 36,00x42,40 cm em folha de 45,00x57,15 cm Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O Golfo de Arguim no Mapa-mundo de Fra Mauro

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Talvez seja razoável reconhecer no mapa-mundo de Fra Mauro a primeira representação cartográfica conhecida do Golfo de Arguim e isso deve-se sem sombra de dúvida aos resultados das expedições portuguesas do séc. XV. Como o próprio cosmógrafo deixou legendado no seu mapa, o rei de Portugal, D. Afonso V, providenciou-lhe algumas Cartas da costa ocidental africana conhecida. Imagem: Cópia do séc. XIX (1804), comissionada pela Companhia Britânica das Índias Orientais, do Mapa-mundo de Fra Mauro, monge cosmógrafo do mosteiro camaldulense de Murano, Veneza, autor do grande mapa encomendado pela Coroa portuguesa em meados de Quatrocentos. Original em Wikipédia.

As Primeiras Navegações (e os levantamentos cartográficos)

Tratam-se de 3, possivelmente 4, as viagens documentadas na década de 30, a que acrescem na década seguinte (até antes da data da carta de privilégio ao infante ), outras tantas. Teremos alguma margem de manobra para avaliar, pelas condições necessárias à concretização dos levantamentos solicitados pelo infante D. Henrique, onde, quando e como se executou a Carta de marear? Vamos procurar saber. Antes de 1434, dezena e meia de viagens bem contadas realizam-se na tentativa de descer além do Bojador, inclusive com Gil Eanes, comprovadamente no ano anterior. Oliveira Marques refere que nesses anos, por exemplo, citando Zurara e Valentim Fernandes, um tal Álvaro Fernandes Palenço e um outro Álvaro do Cadaval navegam ante o cabo Bojador (1). Em 1434 o escudeiro do infante, Gil Eanes, a residir em Lagos, vence, ao que tudo indica, o cabo Bojador. Eventualmente estamos ainda a falar do cabo Juby ou Buyeder (também Bugeder). No ano seguinte Gil Eanes retorna fazendo acompanhar-se de um...

As primeiras representações cartográficas de Arguim na Cartografia Medieval (II)

No trecho da carta de privilégio antes apresentado , foi dito que o infante mandara fazer Carta de marear. Ficou implicitamente percebido que a feitura da Carta terá decorrido algures entre 1434 e 1443. Zurara, aludindo a uma Carta de marear na Crónica da Guiné, avança a 1446. Estamos a acompanhar aditamentos e isso está claro no texto do cronista: "E foe achado que ataa esta era de iiijRvj (1446) anos do nacimento de Jhu Xpo, foram em aquellas partes cinquoenta e hua caravellas (…) E foram estas caravellas a allem do Cabo iiiijL legoas. E achasse que toda aquella costa vay ao sul, com muytas pontas, segundo que este nosso principe mandou acrescentar na carta de marear." (1) Dito de outra forma. Foi registada (na carta de privilégio) uma iniciativa de se fazer uma Carta de marear das zonas de África para lá do Bojador, ao que até 1446 se fazem averbar novos levantamentos. Isto prenuncia a eventual feitura e existência de um Padrão cartográfico. Saliento o dado mais signi...

As primeiras representações cartográficas de Arguim na Cartografia Medieval (I)

"E por ser cousa duvidosa [a terra que era alem do cabo de Bojador] e os homes se nom atreverem de ir mandou [o infante D. Henrique] lá bem xiiiij vezes atees que soube da parte da dicta terra e lhe trouveram dela per duas vezes huns xxxbiij mouros presos e mandou dela fazer carta de marear." (1) Referência a carta de marear, ao que tudo indica feita entre 1434 e 1443. Estamos diante a possibilidade de presença a bordo de indivíduos preparados para a realização de levantamentos cartográficos, eventualmente logo nas primeiras navegações ao Bojador e a sul do cabo, ainda durante a década de 30. É bom perguntar, por conseguinte, com que meios e com que homens se realizou tal trabalho? É ainda razoável ponderarmos tratar-se esta carta que o infante mandou executar de um padrão náutico (com levantamentos, aferição e assentamentos) para derrotas na costa africana. (1) Chanc. D. Afonso V, L. 24, fls. 61-61 v. Místicos, L. 3, fl 278 v. 22 de Outubro de 1443 ANTT Carta de privi...

Rumo a Arguim (II)

As Viagens de aproximação e reconhecimento do Golfo de Arguim: 1441 - Nuno Tristão avistou o Cabo Branco (sem o descobrir); 1442 - Gonçalo Afonso de Sintra e Dinis Dias reconhecem o Cabo Branco e a Furna e avistam os baixos de Arguim (sem os reconhecer); 1443 - Nuno Tristão descobre as ilhas de Adegete e Garças; 1444 - Lançarote de Freitas (com Gil Eanes, Nuno Tristão e Gonçalo de Sintra) descobre as ilhas de Naar e Tider; 1444 - Gonçalo Afonso de Sintra descobre Arguim; 1445 - Antão Gonçalves, Garcia Homem e Diogo Afonso recolhem João Fernandes junto a Arguim (que no Rio do Ouro havia ficado, 7 meses atrás, em expedição anterior do mesmo Antão Gonçalves juntamente com Gomes Pires). Observando um mapa do Golfo de Arguim, poderá estranhar-se esta cronologia. Afinal Gonçalo de Sintra desce em Arguim quando um ano antes já se navegava na região sul do golfo. Há uma descrição no Esmeraldo que dá teoricamente suporte a um reconhecimento descontinuado do golfo, pelo que a ilha de A...

Rumo a Arguim (I)

Para Jaime Cortesão, as primeiras navegações de Gil Eanes e Afonso Gonçalves Baldaia (1434, 35 e 36) balizam um momento de estudos incipientes do mar, das correntes e dos ventos, junto e ao largo das Canárias e costa marroquina. O posterior cruzar destes dados de navegações com os anteriormente adquiridos nas navegações que permitiram chegar e depois fazer rota entre o Continente e as ilhas da Madeira e Açores, entrocam e enformam algo bem mais substancial no âmbito das navegações de e para o Atlântico Sul, a começar pelas primeiras navegações à Guiné. É esta conjuntura que nos permite aventar como provável que as viagens da década seguinte, e daí em diante seguramente, estejam já a usar a volta pelo largo. E assim é no regresso, mas igualmente na rota que desce o Atlântico, seguindo pela Madeira e para lá da ilha de Palma rumo ao Rio do Ouro, Arguim, e progressivamente alargando o arco à Guiné e depois.

Arguim: uma bibliografia prévia

Para o estudo das navegações onde se inscreve a descoberta de Arguim, as Fontes que temos são (adaptado de Vitorino Magalhães Godinho): A Crónica dos Feitos da Guné , de Zurara (c.1410 - 1470); A  Relação dos Descobrimentos da Guiné e das Ilha s, de Diogo Gomes (c.1420 - c.1500); O  De Inventione Africae Maritimae et Ocicidentalis , de Jerónimo Münzer (1437 - 1508); O Esmeraldo de Situ Orbi s, de Duarte Pacheco Pereira (c.1460 - 1533); A Descrição da Costa de Ceuta à Guiné , de Valentim Fernandes ( ? - 1518/9); As Décadas da Ásia , de João de Barros (1496 - 1570). Atendendo às complexas relações (e mesmo as incongruências) identificadas entre trabalhos, é fundamental sempre fazer uma análise crítica. Datas, nomes e factos surgem, não poucas vezes, de forma divergente de texto para texto.

O castelo de Arguim

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Imagem: Wikipedia Arguim pelo cartógrafo e ilustrador holandês Johannes Vingboons (1616-1670). Eventualmente a mais antiga, mas sobretudo talvez a única representação do castelo original que Soeiro Mendes ergueu na ilha. Há outras representações e levantamentos, todavia espelham já transformações posteriores. Britânicas garantidamente. Sobre a fundação do castelo de Arguim, diz Duarte Pacheco Pereira o seguinte: "E na ilha de Arguim está um castelo que ali mandou fazer o excelente rei D. Afonso, o Quinto, por Soeiro Mendes de Évora, fidalgo de sua casa, depois da morte do Infante D. Anrique; ao qual Soeiro Mendes fez mercê da alcaidaria-mor desta fortaleza e pera seus filhos. E os Alarves e Azenegues trazem a Arguim ouro que ali vem resgatar, e escravos negros de Jalofo e de Mandinga, e couros de anta pera adargas, e goma-arábica e outras cousas; e de Arguim levam panos vermelhos e azuis, de baixo preço, e lenços grossos e bordates, e mantas de pouca valia que se faze...