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Showing posts from 2014

Proposta: de Afonso X à Grande Ibéria

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A Dobragem do Cabo Bojador

“Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor.” Fernando Pessoa Sempre se tem procurado nos baixios, nas restingas, nas correntes, nos açoreamentos, enfim, na natureza das circunstâncias palpáveis e visivelmente suspeitas, uma razão, ou um conjunto delas, para achar a dificuldade na passagem do Cabo Bojador. Desde a Antiguidade, e muito em particular desde que os filósofos jónicos projectaram uma mundividência pensada à escala mediterrânica, o Mundo representado adquire expressão plástica, desde então tida como uma posição de verdade. As propostas medievais mais não fizeram do que acentuar e legitimar essa visão, contribuindo para a mitificação dos espaços, particularmente os que, como o Bojador, nitidamente identificavam limites de uma conjectura geográfica. O Bojador assinalava por isso, e sobretudo a partir das cosmologias alto-medievas, o lugar ermo e esquina fantástica das terras emergentes habitadas, conspicuidade para lá da qual se empurravam as palavras angu

A Armeria

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A Armeria marítima, a planta que Gil Eanes trouxe das terras a sul do Bojador na sua primeira viagem depois de passar o cabo. Imagem: Wikipedia .

O Paralelo de Alcáçovas

É interessante que se tenha adoptado no Tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-1480) para a regulação da contenda Ibérica, um paralelo definido a partir do Cabo Bojador [ link ], ou seja, usando o mesmo princípio que antes servira para delimitar as terras habitadas, traçando um eixo precisamente no local onde sempre fora apontado o seu limite (mitológico) [ link ] [ link ]. É claro que em 1480 os portugueses navegavam já muito a sul do Cabo Bojador, pelo que a antiga partição do mundo não passava, na segunda metade de Quatrocentos, de um arcaísmo medievo. Todavia e se bem que algumas concepções sobre as terras habitadas e o mundo em geral se fossem modernizando, estes processos são sempre complexos e palco de reiteradas defesas, desde logo e muito em particular sobre a mundividência vigente. Duarte Pacheco Pereira no seu Esmeraldo de Situ Orbis [ link ] continua a sugerir a existência de uma terra primordial para lá do Oceano e este a circundar a orbe terrestre. O paralelo de Alcáçov

Tânger e Ceuta

Limitar o acesso atlântico ao Mediterrâneo, por via de uma posição concertada em Ceuta e Tânger, é uma perspectiva de vistas mais largas do que as tradicionalmente apontadas. Não quero com isto dizer que os defensores da continuidade em Ceuta e da campanha militar fracassada por Tânger tivessem de facto uma visão tão plena do contexto, mas as oportunidades que daí emergiriam tornariam evidentes as vantagens desse esforço. O que não se pode é pensar de modo taxativo a ideia da posse de Tânger tão só como um gesto de arcaico feudalismo. Talvez fosse para a maioria dos intervenientes, todavia espreita ali sempre a suspeita de uma ambição de outra escala. [ link ]

Mestre Jácome

Ainda que não adiante qualquer desenlace sobre quem é mestre Jácome, e esse é o interesse que nos move, não quero aqui deixar de dar conhecimento de uma Carta de Aforamento da Chancelaria de D.João I, em nome de um mestre Jácome. Datada de 12 de Abril de 1427, temos conhecimento através dessa Carta, passada por D.João I, de um aval de aforamento dado por uma herdade, de nome Alagoa, em Alverca, a um mestre Jácome. Qual o interesse desta Carta? É documental. Não nos diz mais sobre aquela personagem, mas situa-a a viver em Portugal em 1427. Será determinante se se confirmar que este é o mestre em cartas de marear referido no Esmeraldo [ link ]. Deixaria liminarmente de parte a tese que sugere ser Jácome o mesmo que Jafudà Cresques [ link ]. Aproveito para tocar um outro ponto. Segundo alguns investigadores, temos, cerca de 1390, um mestre Jácome, pintor, ligado à Coroa de D.João I. Esta figura é curiosa porque é vítima de um infortúnio desinquietante. Apesar de ser apontado como pi

D. João I, Rei de Portugal

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Retrato de El-Rei D.João I. Óleo sobre madeira de carvalho Autor desconhecido Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Portugal. link

D. Fernando, Infante Santo

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Tríptico do Infante Santo (D.Fernando) Óleo sobre madeira de carvalho Autor desconhecido Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Portugal. Datação dendrocronológica das tábuas do Tríptico: 1413 (a partir de) Campanha Militar de Tânger: 1433-1437 Cativeiro do Infante D.Fernando: 1437-1443

Isabel de Portugal, Duquesa da Borgonha

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Retrato de Filipe, "O Bom" e Isabel de Portugal (c. 1430) Óleo sobre madeira Autor desconhecido Museu de Schone Kunsten, Ghent, Bélgica. Imagem: link

A Passagem do Cabo Bojador

Para perceber algumas das iniciativas expedicionárias atlânticas portuguesas na primeira metade do séc. XV, particularmente o episódio da difícil passagem do Cabo Bojador, será pertinente ver e perceber como pensava o mundo o homem tardo medievo comum. A tradição lembrava, desde sempre, que as terras habitadas eram circundadas por um vasto Oceano. Todavia, para os limites da ecúmena o homem projectava ideias fantásticas de carácter mítico. Tais ideias faziam crer que dobradas as esquinas do espaço ecuménico, forças maiores impediriam o retorno. À imaginação juntavam-se as representações, nascidas sobretudo nos circuitos monásticos, reforçadas, portanto, por narrativas bíblicas. Acontece que o Cabo Bojador assinalava justamente o termo das terras habitadas e, consequentemente, o limite à navegação. A transposição de tal lugar não tinha qualquer hipótese de figurar no imaginário de um crente. Não deixa assim de ser curioso que caiba ao Infante D.Henrique, homem de fé apaixonada, a i

Mileto

Ao séc. VI a.C. em Mileto, na Jónia, circulam já uma cosmovisão e uma mundividência que continuarão a ter ecos na Alta Idade Média e cuja face mais visível se espelha na tradição dos mapa-mundo do tipo TO. É a Anaximandro de Mileto a quem mais tarde, na Grécia, vemos associada a ideia de um mapa-mundo de forma circular, traçado para uma ecúmena oblonga circundada por um vasto Oceano, por vezes referido como rio Oceano. Às terras habitadas é-lhes reconhecido um umbigo definindo um eixo onde tomam lugar os rios Nilo e Don a partir do Mediterrâneo. Esta ideia germinal onde a Cristandade Ocidental, desde pelo menos Isidoro de Sevilha, viu com grande entusiasmo na representação da terra o corpo de Cristo crucificado, foi naturalmente abraçada deslocando simplesmente o centro da ecúmena para Jerusalém. Pese embora a tradição atribua a Anaximandro a ideia original do primeiro mapa-mundo científico, parece-me mais razoável pensar no círculo de Mileto, onde pelo menos Thales e Anaximenes se

O Liber Floridus

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Mapa-mundo do Liber Floridus. Enciclopédia do séc. XII, realizada por Lambert, cónego da igreja de N. Senhora em St. Omer. Manuscrito. Os mapas TO e a ideia das zonas climáticas; O Oceano Equinocial; A sugestão da esfericidade da Terra.

A goma-arábica

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Imagem: Acácia-do-Senegal (Wikipédia) "O uso da goma-arábica vem pelo menos desde o Antigo Egipto, onde era utilizada na confecção de cosméticos e de perfumes e como ingrediente no processo de mumificação. Depois de cair em desuso durante alguns séculos, a goma-arábica era inicialmente trazida para a Europa por caravanas trans-saarianas, atingindo um elevado preço. O seu uso generalizado apenas foi redescoberto pelos europeus da Época dos Descobrimentos, que a partir do século XV passaram a adquiri-la na costa ocidental africana, tendo sido um dos primeiros produtos africanos a ser comercializados na Europa. Neste comércio ganharam destaque o porto de Arguim e a costa do Senegal. A sua importância comercial foi tal que no século XVII deu origem à Guerra da Goma, opondo franceses, holandeses, portugueses e britânicos na luta pelo controlo da região costeira da actual da Mauritânia e Senegal. Desse conflito resultou a constituição de um verdadeiro monopólio francês no com

O primeiro castelo construído do Império Português

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Imagem: Atlas of Mutual Heritage Tem também essa particularidade, de facto. O castelo de Arguim é o primeiro castelo construído pelo (também em construção) Império Português. Na ilustração o castelo de Arguim pelo cartógrafo e ilustrador holandês Johannes Vingboons (1616-1670).

João Fernandes

[link] Chegado ao Rio do Ouro e perante o desafio que lançara - conhecer as rotas dos tráfegos do ouro - João Fernandes terá naturalmente de se ajustar à realidade do terreno e conseguir, negociando, imagina-se, uma caravana que o conduzisse para sul. E para sul o rumo das caravanas é Toumbouctou. Se bem que Toumbouctou eventualmente configurasse algo de exótico, sumptuoso, e nesse sentido apetecível, a escala das circunstâncias implicava algo mais prático. Toumbouctou era longe demais. Por bandas de Azougui, Chinguetti ou Ouadane, onde quer que passassem, tornar-se-ía premente rumar à costa. Dali em diante as rotas flectiam cada vez mais para o interior afastando-se da costa. Estava todavia conseguido o primeiro objectivo: familiarizar-se com a realidade das rotas caravaneiras. O passo seguinte será conseguir trazer essas caravanas à costa. [link]

A Península Ibérica (1080-1300)

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c. 1080. c. 1300 Catlos,B. (2004). The Victors And the Vanquished: Christians and Muslims of Catalonia and Aragon , 1050-1300. Cambridge University Press, UK

Europa 1430

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McEvedy, C. (1976),  The Penguim Atlas of Medieval History . Penguim Books, England.

O castelo de Arguim segundo Cadamosto

Porque fala Cadamosto da existência de um castelo em Arguim? Cadamosto fez duas viagens na década de 50 a África sob o patrocínio do Infante D.Henrique. Sabemos também que Cadamosto usou a volta pelo largo das Canárias rumo ao Cabo Branco, seguindo depois, sem entrar na Baía de Arguim, para a costa africana do Rio Senegal em diante. Cadamosto não visitou nunca a ilha de Arguim. Nem na ida, nem tão pouco e menos ainda no regresso. Então porque refere a existência de um castelo, em Arguim, no relato das suas viagens? Alguns autores sugerem tratar-se de uma incoerência de Cadamosto. É razoável, mas eu penso que pode haver uma outra razão. Sabemos que Cadamosto não visitou pessoalmente Arguim. Ora se afirma que Arguim tem um castelo, poderá ser que essa informação lhe tenha sido assim deliberadamente transmitida. Quem e em que moldes terá feito circular essa ideia, uma vez que não correspondia à verdade? Se o castelo foi construído em 1461, como João de Barros adianta, em minha opiniã

O castelo de Arguim (1461)

"E em o [ano] seguinte de [mil] quatrocentos e sessenta e um, porque às ilhas de Arguim concorria resgate de ouro, e negros de Guiné, mandou el-Rei [D.Afonso V] fazer o castelo de Arguim, que hoje está em pé, por Soeiro Mendes Fidalgo de sua Casa, morador em Évora, ao qual deu alcaidaria mor, para si e seus filhos." João de Barros. Décadas da Ásia. Decada I. L. II. Cap. I. pág. 139. Realmente, a data apontada por João de Barros tem tudo para ser a mais consistente das datas tradicionalmente apresentadas, até porque Barros quando faz a sua descrição e escreve "E em o seguinte de quatrocentos (…)" referira-se antes ao Infante D.Henrique e ao ano de 1460, que é, por coincidência, o ano do falecimento do Infante. Ou seja, João de Barros tinha bem presente que o castelo de Arguim só é mandado construir depois da morte do Infante D.Henrique. Talvez seja também importante notar que esta data terá sido levantada em algum testemunho, escrito ou oral, uma vez que Barros

A carta de mercê a Soeiro Mendes

A carta de mercê a Soeiro Mendes permite-nos pensar que o castelo de Arguim terá sido um projecto da Coroa. Ela testemunha os nomes do promotor e do autor material da obra. Assegura-nos ainda que o castelo estava pronto à data de 1464. E de todo o contexto se pode com alguma segurança sugerir ter o castelo sido começado a construir já depois da regência do Infante D.Pedro (1448), visto Soeiro Mendes ser fidalgo da Casa de D.Afonso V. Por outro lado, não deixará de ser pertinente articular este desenvolvimento com iniciativas anteriores, muito particularmente com a viagem pelo sertão de João Fernandes (c. 1444). Também a visão que levou à construção de um castelo num lugar tão remoto deve, em meu ver, ser igualmente lida no mesmo plano das anteriores iniciativas marroquinas, nomeadamente no que conduziu ao projecto de Ceuta (1415) mas igualmente ao fracassado projecto de Tânger (1437) . Trata-se de uma política de investimento em praças africanas, se bem que o estilo tenha ganho conto

Portugaliae Monumenta Africana: Alguns documentos sobre Arguim

Doc. 45 (12 Dezembro 1462) Bula do Papa Pio II, Ex Assuetae Pietatis, a nomear Afonso de Bolaño, franciscano da Observância, prefeito apostólico da Guiné. Doc. 48 (4 Julho 1463) Carta de transferência da feitoria do tráfico de Arguim de Lagos para Lisboa e nomeação da Diogo Dias de Abreu para feitor e tesoureiro do mesmo. Doc. 53 (4 Julho 1464) Carta a saldar a dívida henriquina de 44.750 reais brancos a Fernão Valarinho, criado e escudeiro do infante D.Henrique, por umas casas em Lagos, onde se arrecadam os direitos do trato de Arguim e mora João Baldaia, recebedor dos ditos tratos. Doc. 52 (16 Fevereiro 1464) Carta de mercê a Pedro de Sintra, escudeiro da Casa Real e recebedor das coisas da Guiné, arrecadadas no Algarve, a conceder o mantimento de 4.000 reais brancos. Doc. 54 (26 Julho 1464) Carta a declarar João Valarinho, escudeiro do Infante D.Henrique, dono das casas que em Lagos pertenceram ao dito infante e que lhe serão entregues por João Baldaia, recebedor do tra

Uma Feitoria em Arguim

Quais as garantias que permitiram aos portugueses tomar iniciativa de fundar feitoria de tráficos em Arguim, a primeira feitoria portuguesa, num lugar remoto e aparentemente tão deserto?

O Golfo de Arguim

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O golfo de Arguim na cartografia holandesa do séc. XVIII, por Gerard van Keulen (1678-1726). Imagem original: Atlas of Mutual Heritage .

Agulha de marear

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Agulha de marear, circa 1700, de Johannes van Keulen  (1654-1715), cartógrafo holandês. Imagem original:  http://www.geheugenvannederland.nl/

Baía e ilha de Arguim

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A ilha de Arguim ao séc. XVIII. Cópia holandesa, por Franssen-Stuurman, a partir de cartografia francesa. Imagem original: Atlas of Mutual Heritage

Ilha de Arguim

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Golfo de Arguim Imagem original: NASA Ilha de Arguim. Em destaque a ponta onde se situava o castelo de Arguim. Imagem original: www.bing.com/maps Esporão onde se situava o castelo de Arguim. Imagem original: www.bing.com/maps Esporão onde se situava o castelo de Arguim. Imagem original: www.bing.com/maps Imagem original: Barry Lawrence Rudermans Antique Maps Inc.

Notas sobre a Feitoria e Castelo de Arguim

A história da Feitoria e Castelo de Arguim em meados do séc. XIX segundo Alexandre Magno de Castilho, Primeiro Tenente da Armada, Engenheiro Hidrógrafo do Ministério das Obras Públicas. "Em 1443 é que Nuno da Cunha e Gonçalo de Cintra, capitães de uma frota de poucas caravellas, descobriram a costa para S. de cabo Branco e a ilha de Arguim, onde, apesar da carranca da terra, fundaram, por conta da companhia dirigida pelo infante D.Henrique, um estabelecimento destinado a promover a troca de differentes mercadorias por negros, que os mouros traziam do interior, e por oiro de Tider. Pouco depois, em 1449, foi, por ordem do infante, Soeiro Mendes, fidalgo da casa de el-rei D. Affonso V, lançar os alicerces do castello de Arguim, o primeiro que erguemos n'aquellas conquistas para segurança do commercio e da navegação, e mais tarde foi destinada a receita para rendas da casa do infante D. João, depois rei segundo do seu nome." CASTILHO, A. (1866). Descrição e Roteiro da C

Apontamentos sobre as Viagens na primeira metade da década de 1440

1440 "Bem é que no ano de quarenta [1440] se armaram duas caravelas, a fim de irem àquela terra, mas porque houveram aqueecimentos [acontecimentos] contrários, não contamos mais de sua viagem." (Crónica da Guiné, cap. XI) Depois do interregno de 37-40, este é o primeiro gesto que se anota. 1441 Viagem de  Antão Gonçalves,   guarda roupa do Infante D.Henrique e capitão do pequeno navio. Nesta viagem temos conhecimento que seguiu  Afonso Guterres , moço de câmara do Infante e escrivão do navio. O destino da viagem seria aparentemente o Rio do Ouro. Sabemos que foi, pelo menos, até ao lugar que ficará conhecido como Porto Cavaleiro. Um segundo navio (uma caravela segundo Zurara) chega do Reino com  Nuno Tristão , cavaleiro da casa do Infante e capitão do navio. Aparentemente é neste segundo navio que seguem  Diogo Valadares , que depois foi alcaide-mór de Vila Franca e  Gonçalo de Sintra . Há registo ainda de um  Gomes Vinagre , moço de câmara do Infante. Antão Gonçalves é

A Feitoria de Arguim

"O Senhor Infante D.Henrique fez nesta ilha de Arguim um contrato por dez anos, deste modo: que ninguêm pudesse entrar no golfo por traficar com os Árabes, salvo aqueles que entrassem no contrato, o qual tem uma feitoria da dita ilha, e feitores, que compram e vendem àqueles Árabes, que vêm à marinha (…); de modo que este Sr. Infante faz actualmente trabalhar em uma fortaleza na dita ilha, para conservar este comércio para sempre; e por essa razão todos os anos vão e vêm caravelas de Portugal à ilha de Arguim." PERES, D. (1948). Viagens de Luis de Cadamosto e de Pedro de Sintra . Academia Portuguesa de História, Lisboa

Adahu

"Cheios de satisfação, saltaram em terra [Nuno Tristão e Antão Gonçalves] com as suas armas e apanharam treze homens e mulheres (…). Entre eles, tomaram um ancião muito respeitável, de nome Adavu [Adahu]. Alguns deles eram ruivos, outros negros. (…) Por estes teve início o conhecimento daquela região: como era povoada. (…). O senhor Infante ficou a saber por eles o caminho para chegar a Tambucutu [Tombouctou]. (…) Disseram que os árabes quando vão de Adém [Ouadane] para Tambucutu levam um total de 400 a 500 camelos em fila. (…) Disseram também que muitas vezes de Tambucutu faziam regresso uns 300 camelos carregados de ouro. Foi esta a primeira notícia que se pôs a correr sobre o ouro e onde se encontrava a origem dele." SINTRA, D.G. (2002). Descobrimento Primeiro da Guiné . Edições Colibri, Lisboa Adahu é uma figura curiosa das primeiras navegações atlânticas portuguesas. É Adahu quem pela primeira vez dá directo conhecimento aos portugueses sobre questões de interesse ec

Arguim

"Ilha na costa ocidental africana, próxima do cabo Branco, a 20º 40' lat. N. e 16º 50' long. W. Nuno Tristão tem passado por ser o descobridor desta ilha, em 1443; no entanto, segundo os testemunhos de Zurara, de Valentim Fernandes e de Diogo Gomes, Gonçalo de Sintra deve ter sido o primeiro a chegar ali. A posse da ilha veio a ser de grande importância para o comércio com o interior africano, e o facto de nela haver abundância de água doce e de peixe contribuiu favoravelmente para a fixação portuguesa. Do ponto de vista comercial as conquistas e praças do Norte de África não haviam correspondido aos objectivos pretendidos. Arguim vai ser o nosso primeiro entreposto comercial na costa africana, onde se fará regularmente durante muitos anos o intercâmbio de ouro e de escravos, por tecidos, cavalos e trigo 'de que os naturais estavam sempre famintos' (Cadamosto, cap. X.). O facto de, provavelmente, ainda em vida do Infante D.Henrique (talvez em 1455, segundo Cadamost

Chinguetti

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João Fernandes

"Capitollo XXIX Como Antam Gllz, e Gomez Pirez, e Diego Affonso, forom ao ryo do Ouro. Aquelle anno (1443) mandou o Iffante Antam Gllz, aquelle nobre cavalleiro de que ja fallamos, em huu caravella, e Gomez Piz, patrom delRey, em outra caravella; e esta hya per mandado do Iffante dom Pedro, que a aquelle tempo regya o regno em nome delRey. E tambem era hi outra caravella, em que hya huu Diego Affonso, criado do Iffante dom Henrique; os quaaes todos juntamente hyam pera veer se poderyam trazer os Mouros daquella parte a trautos de mercadorya. E ouveram falla e grandes seguranças com os Mouros que o Iffante la mandava, pera veer se com o dicto fingimento os poderyam encaminhar pera salvaçom. Porem nom poderam com elles encaminhar, nem fazer mercadarya, mais que de huu negro. E assy se tornarom sem mais fazer, senom que trouverom huu Mouro velho, que per sua voontade quis viir veer o Iffante, do qual recebeo muyta mercee, segundo sua pessoa, e despois o mandou tornar pera sua terra

Prehistoric Sahara Trails

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"The Old Sahara was in fact a cradle of early African civilisation. Far from being a natural barrier between the peoples of West and North Africa, the Old Sahara joined these peoples together. All could share in the same ideas and discoveries. Many travellers journeyed through the green Sahara in New Stone Age times. They used horses and carts. Ancient rock pictures of these horses and carts have been found along two main trails between North and West Africa. One of these trails passed through Mauretania in the western Sahara, while another went through the central Sahara between the middle section of the Niger River and modern Tunisia. We can be sure that new ideas and discoveries were taken back and forth by these old travellers." DAVIDSON,B. (1985). A History of West Africa 1000-1800 . Longman Group Limited, Essex, England

The Saharan Trade

"Trade in the Western Sahara, along the routes across Adrar, increased again in the fifteenth century with the growing importance of the salt mine of Idjil. Following a rather vague reference to this mine by Ca da Mosto in 1455, its trade was describer in detail by V. Fernandes half a century later. Walata, along with the desert towns of Tichitt and Wadan, participated in the salt trade of Idjil. Wadan was then the principal town of Adrar, and the only town with a wall. Part of Mali's gold, according to Ca da Mosto, was sent to Hoden (Wadan) from where it was distributed to Oran, Hunayn, Fes, Marrakush, Safi, and Massa, to be sold to the Italian merchants. When the Portuguese reached the Saharan coast in the middle of the fifteenth century they established their factory in Arguin, close to the flourishing trading towns of Adrar. For a short time the Portuguese even tried to establish  an entrepôt in Wadan (Adrar). Because of the hardships of the desert and the hostility of th

An optimal zone: the West African savanna

"In the past the Sahara formed what Bovill (1968:1) called 'one of the world's greatest barriers to human movement', although, as Bovill was able to show so brilliantly, that barrier was repeatedly bridged by trade." "If the ocean could remain a barrier for so long, it is perhaps surprising that so formidable a barrier as the Sahara Desert should have been successfully bridged by trade at least eight centuries earlier. The fact that it was has often been explained as the result of another cultural innovation: the introduction to Africa of the domesticated camel, as a mode of transport over long distances through arid regions (Bulliet, 1975). It will be argued below that the 'ship of the desert', as the camel has so often been called, did not inaugurate trans-Saharan trade but, in the hands of people who knew how best to utilize its peculiar physiology, it undoubtedly led to a very  substantial development of that trade. The camel seems to have been

Rotas caravaneiras e dos comércios do ouro

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LEVTZION, N. (1980). Ancient Ghana and Mali . Africana Publishing Company, New York.

Arguim, Azougui, Chinguetti, Ouadane, Tichitt, Oualata e Toumbouctou

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Imagem original: Google Maps

A "Volta pelo largo"

Extracto de um texto [link]  do professor Francisco Contente Domingues. "Aos navegadores portugueses puseram-se depois dois problemas distintos. O primeiro consistiu na orientação em mar alto. A progressão ao longo da costa africana fazia-se sem dificuldades a partir da costa portuguesa, beneficiando de ventos e correntes favoráveis. Quanto mais se progredia para Sul, porém, maior era a dificuldade do retorno, que se fazia contra as condições físicas de navegação. Para os pequenos navios, como a barca e a caravela, que se empregaram a início, o retorno a Portugal junto à costa tornava-se cada vez mais penoso. A partir de um momento se que pode hoje situar nas datas indicadas, os navegadores portugueses viram-se obrigados a fazer a chamada "volta pelo largo", ou seja, a internarem-se no mar alto para contornar os ventos que sopravam constantemente no sentido aproximado Norte-Sul junto à costa africana. Essa manobra, perfeitamente estabelecida na década de 1440, só podia

Azougui

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Teórica mas criticamente considero razoável que João Fernandes tenha percorrido do Rio do Ouro a Arguim um trajecto com vértice em Azougui, ou mesmo Ouadane. Vamos procurar ver porquê. Creio que é natural aceitar que o episódio de João Fernandes é dependente da realidade geográfica e social da costa ocidental africana. Do Rio do Ouro a Arguim, João Fernandes poderia conseguir viagem apanhando uma das caravanas que do Rio do Ouro largasse. Como é próprio, tal viagem seguiria pelas rotas praticadas. Segundo Zurara, seguiu viagem numa pequena caravana de dimensão pouco mais que familiar. Talvez tal caravana seja o retrato do que por aquele lugar era norma; talvez seja fruto do que a sua negociação e condição permitiam. Ao invés, qualquer sugestão que nos leve a apontar a uma descida ao longo da costa é pouco credível. Não existem rotas, tráfegos de comércios ou outros, nem tão pouco alguêm se iria predispor a conduzir caprichosamente pela costa um viajante desconhecido. Quem vive j

O Fra Mauro

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Os primeiros dados sobre a Cartografia portuguesa, aqueles que precedem e directamente sustentam a emergência dessa mesma Cartografia, apesar de pontualmente documentados não encontraram qualquer prova material. Vimos como em 1428 o Infante D.Pedro trouxe de Veneza um mapa-mundo [link] . Trata-se de um elemento curioso e também de um aspecto novo na diplomacia portuguesa. Depois, e desde 1434, talvez mesmo logo desde a década de 40, sabemos que em Portugal se terão feito cartas náuticas. Tal foi pelo menos solicitado pelo Infante D.Henrique [link] [link] . Ainda em 1459 há conhecimento da chegada a Portugal de um novo mapa-mundo, feito igualmente em Veneza, a pedido do rei D.Afonso V, pelo monge Fra Mauro. De todos estes factos não temos hoje qualquer vestígio material conhecido. Paralelamente fala-se ainda da vinda de um mestre em cartas de marear a Portugal, a pedido do Infante D.Henrique [link] , mas sobre este episódio temos várias reservas [link] . De tudo isto há porém u

Sobre o mapa-mundo que trouxe o Infante D.Pedro

"No ano de 1428 diz [António Galvão] que foi o Infante D.Pedro a Inglaterra, França, Alemanha, à Casa Santa e a outras daquela banda, tornou por Itália, esteve em Roma e Veneza e trouxe de lá um Mapamundo que tinha todo o âmbito da terra e o Estreito de Magalhães, que se chamava Cola do Dragão [gola do dragão?] , o Cabo da Boa Esperança, fronteira de África, e que deste Padrão se ajudara o Infante D.Henrique em seu descobrimento." GALVÃO, A.,  Tratado dos Descobrimentos Antigos e Modernos . Officina Ferreiriana, Lisboa, 1731.

Lagos

Numa vila que tem por eixo uma escala de interesses baseada no mar e cujos vectores estão nas pescas, nos comércios e nas actividades mercantis, as elites tardo medievas de Lagos estão naturalmente ligadas ao mar. O seu sucesso pode simplesmente ser conjunturalmente fortuito, mas é claramente no circuito lacobrigense que se funda uma dinâmica cujo ponto alto se encontrará na criação da Feitoria de Arguim e respectiva Casa dos Tratos de Arguim, depois da Guiné e ainda da Mina e que é posteriormente transladada para Lisboa. E por tudo isto Lagos cresceu. Cresceu por si só, mas igualmente por se posicionar num âmbito de interesses superiores particularmente favoráveis à vila algarvia no pós conquista de Ceuta. É com algum critério que se aceita pois poder ter a Coroa mitigado interesses e políticas de Estado em Lagos, ao deslocar para aí uma comunhão com as iniciativas locais, das quais a mais visível será sem dúvida a vinda do Infante D.Henrique para Lagos. Mas sobre tudo isto subsis